Capital Social Integralizado e Competitividade nas Licitações: Lições do Acórdão 610/2025‑TCU
Introdução: Capital Social Integralizado
O Tribunal de Contas da União (TCU) consolidou, em 19 de março de 2025, orientação relevante ao julgar o Acórdão 610/2025‑Plenário. No centro da controvérsia estava a exigência de capital social integralizado mínimo no Pregão Eletrônico 98/2023, conduzido pelo Município de Juazeiro/BA, cujo objeto era o registro de preços para fornecimento de merenda escolar. Ao concluir que a cláusula violava o art. 69, §4º, da Lei 14.133/2021, o Tribunal reforçou a diretriz de que requisitos econômico‑financeiros devem ser proporcionais e indispensáveis à seleção do futuro contratado
Panorama normativo da qualificação econômico‑financeira
A Lei 14.133/2021 permite à Administração exigir, alternativamente, capital social mínimo ou patrimônio líquido mínimo de até 10 % do valor estimado da contratação, bem como as garantias previstas no art. 96 do diploma legal. Não há, entretanto, qualquer menção à integralização prévia desse capital. A jurisprudência histórica do TCU, antes mesmo da nova lei, já vedava a prática (v.g., Acórdãos 6613/2009 e 5372/2012), pois restringe a competitividade sem demonstrar correlação direta com a execução do objeto.
O caso analisado no Acórdão 610/2025
No pregão impugnado, o edital determinava que as licitantes comprovassem capital social integralizado proporcional ao valor global da ata de registro de preços (R$ 34,8 milhões). A denúncia apontou, ainda, outros vícios: adoção de normativos revogados, ausência de Estudo Técnico Preliminar (ETP) e desclassificação prematura de propostas. Durante a instrução, a Prefeitura alegou inexistência de prejuízo competitivo e ausência de impugnação tempestiva. O TCU afastou tais argumentos, destacando que a legalidade do ato convocatório independe da manifestação dos interessados.
Entendimento firmado pelo TCU
A Corte de Contas fixou três premissas centrais: (i) a exigência de capital social integralizado extravasa o limite legal de até 10 % para capital ou patrimônio líquido; (ii) a mera falta de questionamento não convalida a irregularidade; e (iii) requisitos desnecessários maculam a isonomia e podem afastar potenciais participantes. Consequentemente, determinou ao Município que se abstivesse de prorrogar o Contrato 292/2024 e orientou a realização de novo certame sem a cláusula restritiva
Implicações para gestores públicos
Gestores que ainda utilizam modelos baseados na Lei 8.666/1993 precisam revisar imediatamente seus instrumentos convocatórios. A adoção de capital integralizado — ou de percentuais superiores a 10 % — sem robusta justificativa técnica expõe a Administração a representações e eventuais nulidades. Além disso, o art. 22 da LINDB impõe a avaliação de impactos de decisões administrativas; logo, optar por prorrogar contratos irregulares pode acarretar responsabilização pessoal. O caso de Juazeiro ilustra que a transição legislativa não afasta o dever de conformidade
Consequências práticas para licitantes e consultores
Empresas que se veem inabilitadas por cláusulas semelhantes devem, na fase de esclarecimentos, apresentar impugnação fundamentada, citando o Acórdão 610/2025 e precedentes correlatos. Caso o edital permaneça inalterado, recomenda‑se protocolar representação no órgão de controle, demonstrando potencial restrição. Consultores podem utilizar o enunciado do acórdão como argumento padrão, reforçando que a comprovação de capital integralizado somente é exigível no momento de eventual aporte societário, não como condição prévia de habilitação.
Boas práticas na elaboração de editais
A seguir, listamos diretrizes que previnem nulidades:
- Fixe limites proporcionais e fundamentados – restrinja capital social mínimo ou patrimônio líquido a, no máximo, 10 % do valor estimado de cada item ou lote; sempre vincule o percentual ao risco efetivo de inadimplência, demonstrando no Estudo Técnico Preliminar por que valores inferiores não atenderiam à proteção do erário.
- Evite sobrepor garantias – a cumulação de capital mínimo com caução ou seguro‑garantia onera o licitante duas vezes e inibe a disputa. Opte por apenas um mecanismo de mitigação de risco financeiro, justificando a escolha à luz do art. 96 da Lei 14.133/2021.
- Apoie‑se em matriz de riscos – descreva, no edital, eventos financeiros críticos (variação cambial, reajustes de insumos, inadimplência) e distribua responsabilidades entre Administração e contratado. Essa transparência reduz aditivos futuros e dá segurança às empresas.
- Atualize referências legais – remova citações obsoletas à Lei 8.666/1993 e normas revogadas; inclua os dispositivos corretos da Lei 14.133 e, quando cabível, a Lei 13.303 (estatais). A congruência normativa evita impugnações por conflito de regras.
- Disponibilize planilha de custos – anexe ao edital a composição detalhada dos preços estimados (insumos, BDI, impostos). A visibilidade facilita descontos competitivos, atende ao princípio da transparência e minimiza alegações de sobrepreço.
- Estabeleça prazos realistas para esclarecimentos – publique respostas até três dias úteis antes da sessão, liberando tempo para ajustes nas propostas. A omissão ou atraso nas respostas é causa recorrente de anulação, como reforçado no Acórdão 610/2025‑TCU.
- Submeta o edital a checklist jurídico‑técnico – antes de lançar o certame, utilize lista de verificação que contemple validade de garantias, limites percentuais, critérios de medição, prazos e sanções. O parecer jurídico deve atestar a conformidade integral com a Lei 14.133/2021.
- Promova audiências ou consultas públicas em contratações complexas – para objetos de alto valor ou relevância social, receba contribuições do mercado; o diálogo prévio legitima requisitos técnicos e reduz contestações posteriores.
- Mensure impacto regulatório – em contratos continuados, avalie custos administrativos adicionais impostos aos licitantes. Caso o ônus supere o benefício, revise a cláusula ou apresente justificativa econômica, alinhada ao art. 22 da LINDB.
- Publique relatórios pós‑licitação – após a adjudicação, divulgue resumo com número de participantes, descontos obtidos e eventuais recursos. A prática reforça controle social e fornece dados para aprimorar futuros editais.
Conclusão
O Acórdão 610/2025 consolida o entendimento de que a Administração deve equilibrar segurança da contratação e promoção da disputa.
Exigir capital social integralizado, além de carecer de amparo legal, retira do processo licitatório empresas tecnicamente aptas, contrariando os princípios de isonomia e eficiência. Adaptar‑se à Lei 14.133/2021, portanto, significa internalizar o limite de 10 % e privilegiar análises de risco proporcionais ao objeto.
Órgãos que insistirem em exigências desmedidas tendem a ver suas contratações questionadas e anuladas, enquanto licitantes atentos ganharão competitividade ao impugnar cláusulas ilegais e estruturar propostas focadas em valor agregado.
- Limitar capital social mínimo ou patrimônio líquido a no máximo 10 % do valor estimado de cada item ou lote.
- Justificar tecnicamente, nos autos, qualquer percentual inferior a 10 % que se pretenda exigir.
- Evitar cumular exigência de capital mínimo com garantia de participação.
- Incluir matriz de risco financeiro no ETP para demonstrar a pertinência do requisito.
- Atualizar referências legais para a Lei 14.133/2021, eliminando menções obsoletas à Lei 8.666/1993, salvo quando aplicável.
- Submeter minuta do edital à assessoria jurídica com checklist de proporcionalidade.
- Disponibilizar planilha de composição de custos para transparência de valores estimados.
- Publicar respostas a esclarecimentos em tempo hábil, reduzindo litigiosidade.
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Referências
Tribunal de Contas da União. Acórdão 610/2025‑Plenário. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/610/2025/Plenário
Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14133.htm
Tribunal de Contas da União. Acórdão 138/2024‑Plenário.
Tribunal de Contas da União. Acórdão 6613/2009‑Primeira Câmara.
Tribunal de Contas da União. Acórdão 5372/2012‑Segunda Câmara.